Moradores ganham na Justiça direito à água e à energia

O Juiz Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro, Titular da 15ª Vara Federal em Limoeiro do Norte, Ceará, concedeu tutela antecipada na Ação Civil Pública – ACP (Processo nº 0800070.56.2017.4.05.8101) impetrada pelo Procurador da República Francisco Alexandre de Paiva Forte e determinou, no último dia 25, que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) se abstenha de vedar o acesso aos serviços básicos de água e energia elétrica aos moradores da Prainha do Canto Verde, uma comunidade formada em sua maioria por pescadores, localizada em Beberibe, litoral leste cearense, distante 100 km de Fortaleza.

A decisão judicial determina, ainda, que o órgão federal está proibido de multar, embargar e/ou demolir construções de residências da comunidade, sob pena de multa de R$ 5.000,00 por cada ato violador do ICMBio.

O Magistrado, na mesma decisão, designou audiência de instrução (na qual serão ouvidas as partes e testemunhas) para o dia 18 de outubro de 2017, às 14h em Limoeiro do Norte.

HISTÓRICO

A Reserva Extrativista da Prainha do Canto Verde, no Município de Beberibe, foi criada em 2009, por meio de Decreto S/N, em território marítimo e continental, sem que a União houvesse extremado o domínio público do particular, a fim de implantá-la efetiva e definitivamente.

A partir desse momento, começaram as divergências entre as duas associações que existem e são legalmente constituídas e seus associados, uma vez que a Associação Independente não concorda com a criação da reserva na parte continental do município, já que é do mar que todos retiram o seu sustento e de suas famílias.

Inúmeras demandas e representações foram feitas pela Associação Independente contra os abusos cometidos pelo então gestor da resex. Todas elas foram arquivadas e reunidas em apenas um procedimento pelo Ministério Público Federal (MPF), nº IC 1.15.001.000489/2013-54, que ensejou a propositura da Ação Civil Pública – ACP (Processo nº 0000463-19.2014.4.05.8101).

O MPF entende, corretamente, que, sem os instrumentos de regularização fundiária, é impossível, jurídica e administrativamente, a União e o ICMBio agirem conforme suas atribuições legais, por faltar-lhes legitimidade pela não individualização, demarcação e inscrição no Registro de Imóveis, das terras efetivamente pertencentes à União.

Propôs o MPF, então, 5 medidas a serem tomadas pela União, solicitando antecipação de tutela, em face das ocorrências na área da resex, que se agravavam e continuam a se agravar diariamente, tendo em vista que a União não cumpria, satisfatoriamente, seus deveres constitucionais, o que vinha acarretando inúmeras demandas entre os nativos e a Gestão da Reserva.

Em solenidade ocorrida no dia 06/12/2010, em Brasília-DF, foram entregues pela União para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) as áreas de propriedade da União, localizadas na Prainha do Canto Verde, no município de Beberibe, neste Estado; os terrenos de marinha, os acrescidos de marinha e a faixa de praia, dependentes ainda de sua perfeita individualização e demarcação. Nessa mesma data e nessa mesma solenidade, foi firmado o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU), entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), das terras de propriedade da União, ou seja, os terrenos de marinha, os acrescidos de marinha e a faixa marítima de fronte da comunidade da Prainha do Canto Verde.

Tanto a entrega como o CCDRU transferem, como deveria ter sido feito, as áreas de domínio da União correspondentes aos terrenos de marinha, aos acrescidos e à área marítima, com área de 29.220 hectares. Diferente do que consta no Decreto S/N, de 05/06/2009 – 29.694 hectares. A diferença, cerca de 474 hectares, ainda a ser apurada por meio da demarcação oficial da linha de preamar – LPM-1831 corresponde às terras de propriedade de terceiros, que teriam de ser indenizadas caso tivesse sido feita a previsão orçamentária, prevista pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Não foi feita. Por isso não foram transferidas. Daí porque os representantes da outra Associação dos Moradores se recusaram a assinar o CCDRU, em Brasília-DF, no dia da solenidade, em 06/12/2010.

Qualquer atividade de gestão ou administração, ou imposição de limitações administrativas fora das áreas transferidas pela União, além de constituir abuso de autoridade, invade domicílios e residências e desrespeita os termos da entrega e da concessão do direito real de uso transferido pela União ao ICMBio. Cria, acima de tudo, um clima de cizânia cada vez mais grave e inaceitável, que precisa ser coibido.

ICMBio DERRUBARAM E QUEIMARAM PLANTAS E CERCAS DE NATIVOS NA PRAINHA DO CANTO VERDE.

Na manhã de 07/12/2016, por volta das 11h, os agentes do ICMBio chegaram à comunidade da Prainha do Canto Verde, acompanhados de 4 viaturas e 13 policiais fortemente armados, desceram de armas em punhos, derrubaram cercas de nativos, onde havia o cultivo de várias plantações locais. Muitos dos nativos pediram para que não derrubassem suas cercas e suas plantações, mas não foram atendidos.

A todo momento, os nativos eram ameaçados pelos agentes que diziam: “Na próxima vez, derrubaremos as casas.”

As madeiras das cercas foram queimadas em local impróprio, perto de várias residências de nativos e onde há várias vegetações. Por volta das 21h, ainda existia índice de fogo espalhado nesse local, que permaneceu até o dia seguinte, deixando, assim, um ar de contaminação e fumaça.

Um dos policias ainda sacou sua arma e disparou 3 vezes para amedrontar os nativos.

Nomes dos nativos que foram prejudicados:

Manuel Luís da Silva: tinha um cercado, com 80 estacas de madeiras e 250 metros de arame. As estacas e os arames foram queimados.

Juliano Ventura de Lima: tinha um cercado, com 50 estacas e 200 metros de arame, e plantações (2 pés de coco, 1 pé de limão e 1 pé de goiaba). Com a retirada da cerca, os animais destruíram todas as plantações. A madeira não foi queimada, pois os agentes disseram que se ele (Juliano) tirasse a madeira do local não iriam queimar. E assim ele fez.

Militão Fernandes de Lima Filho: tinha um cercado, com 30 estacas. Não tinha arame e nem plantações. Os agentes o obrigaram a retirar todas as madeiras se não eles as queimavam. E assim ele o fez.

Fernando dos Santos Silva: tinha um cercado, com 100 estacas e 500 metros de arame e plantações (3 pés de coco). Foi obrigado pelos agentes a tirar sua cerca. Com a retirada da cerca, os animais destruíram todas as plantações.

Jocélio Damasceno Sousa: tinha um cercado, com 80 estacas e 250 metros de arame, e plantações (5 pés de coco, 1 pé de limão, 1 pé de caju, 1 pé de acerola, 1 pé de goiaba, 1 pé de maracujá). Foi obrigado a retirar a cerca. O arame foi cortado.

ICMBio PROÍBE ACESSO À AGUA E À ENERGIA.

Já em 2 de fevereiro de 2017, o Ministério Público Federal (MPF), por meio do Procurador da República em Limoeiro do Norte, Francisco Alexandre de Paiva Forte, atendendo solicitação da Associação Independente, ajuizou Ação Civil Pública requerendo:

a concessão de tutela provisória, determinando ao ICMBio que se abstenha de vedar o acesso da comunidade aos serviços básicos, notadamente os serviços de energia elétrica e água; bem como abstenha-se de multar, embargar e/ou demolir construções residenciais até a conclusão de todo o processo de regularização fundiária da resex Prainha do Canto Verde;
a designação de audiência de conciliação nos termos do art. 334 do CPC;
a condenação do requerido nas seguintes obrigações de fazer:                                                                                                3.1 concluir, no prazo de 60 dias, todos os procedimentos administrativos referentes a pedidos de autorização direta para construir/reformar imóveis e outras necessidades na Prainha do Canto Verde, abstendo-se de indeferir as solicitações tão somente com base na pendência de regularização fundiária e na indefinição da dominialidade das áreas afetadas; e

           3.2. concluir, no prazo de 180 dias, a regularização fundiária da resex Prainha do Canto Verde.

Em resposta à decisão do Juiz relatada acima.

Mais informações:

Valdércio Branco (Advogado da Associação Independente): (85) 98666.4040

Sílvia Soares Dantas (Presidente da Associação Independente): (85) 98102.8572 | 99912.8572